sábado, 27 de junho de 2009

Nómadas do Outro


É assim que respira (nele), assim que propaga
o dia no seguinte como um mapa aberto
para o tempo. Não é disso que se morre:
de não haver explicação para o que sabe (ela).
A morte deve ser outra coisa que inventámos:
dar um nome ao que falta, salvar alguém de costas.
Ela volta o rosto (nas mãos dele) atira os olhos
ao chão para sentir a pedra, a larva no copo,
o cheiro da página no livro aberto a meio.
Sente o cheiro (dele?) nessa folha.
Pergunta onde estará no próximo capítulo como se escrever
o adiasse. Salta as páginas, tropeça num amor
que desconhece. Um, nómada do outro,
andam pelos dias colados à pele que despem
à tardinha. Um órgão, um sentimento, uma linha
em verso: tudo se confunde num só corpo.
Beija-lhe o pé (que agora é ela),
faz a cintura com as mãos, desfaz as pernas
com a exactidão dos dentes. Rangem as entranhas,
arrancada a carne pelos cabelos, e adormecem esventrados
nos sabores do verão. Mas não é a morte
que destece o corpo. A morte é o que inventámos
para não cuidarmos dela. Nómadas de tudo
(e mesmo deles) saltam com rãs sobre cerejas.
Parece dia no lençol caído, o dia a levantar-se
em desalinho com um beijo colado na dobra.
O risco da língua na pele (por dentro dela) é o risco
que correm os dias de se tornarem só belos.
Página ilegível. Tingida pela carne das cerejas.
Suada até à última letra, ao primeiro gemido
(que arde deles) na almofada da manhã seguinte.
Rosa Alice Branco

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sabes o que é esquecer?

Claro que sabes, não era essa a minha pergunta... Referia-me à complexidade do acto em si,à frieza intrínseca no processo.
O esquecimento mundano substituido por uma oxidação dos pensamentos, memórias pela gravinha do tempo.
Sempre me disseram que tinha boa memória.Infelizmente esqueci-me quem o disse primeiro. Fui diagnosticado com memória fotográfica. Uma aptidão para realçar o pó nas esculturas e os números nas paginas.
E isso mesmo despoletou este fio de pensamento.

O facto importante é que me esqueço.
Não o esquecer banal, da inércia mental dos recantos. É mais um coamento encefálico, uma permeabilidade cognitiva que prospecta as cinzas, colhendo os pedaços mais carbonizados e incrustados de espinhos.
Aí a própria matéria sangra, cinzalhante.
Contrariando a daguerreotipia da minha mente, algo consome-me o Rasto. Certas cicatrizes podem custar a ser ganhas, talvez até merecidas, mas no final, lá se encontra estre prospector, étereamente vigilante e imperceptível ,
subrepticiamente sublimando retalhos.
Mas nada é eterno. A matéria mantem-se. As cinzas voltam sempre à chama. A ferrugem volta sempre ao metal. o pó volta sempre ao todo. A ferida é para ser tocada, remexida, reaberta, vezes sem conta até se ter aprendido a exilá-la.
Dou graças a este processo. Se o empirismo racional não nos ensina, decerto caberá à mente impôr a vergastada na espinha da Humanidade.
A imunologia da memória, quem diria.

Se olhares com atençao, verás o mesmo.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

terça-feira, 23 de junho de 2009

«Ai, a lua que no céu surgiu, não é a mesma que te viu nascer nos braços meus. Cai, a noite sobre o nosso amor e agora só restou do amor uma palavra: Adeus. Ai, vontade de ficar mas tendo que ir embora... Ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora, é reflectir na lágrima, um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu numa noite escura, triste como eu.»

Vinicius de Moraes